Sunday, August 15, 2010

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque brilhava o brilho da água, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.

Eles pensavam que, porque queriam, era possível. Defeitos, todos os têm, não é mesmo? Diferenças podem acrescentar, não podem? Então, tentaram. No início, tudo era motivo de sorriso. E daí se ele gostava de mpb e ela de Lady Gaga? “Escuta aqui a letra dessa música, que coisa poética.” “Poesia!?

Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar era fácil.

E o tempo passou. E o tempo destrói tudo. Bastava querer, não é mesmo? A + B = C.

Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.

Tentaram adaptar-se, tudo em vão. Desacertos. Desentendimentos. Sorrisos estáticos enquanto os olhos estavam úmidos. É fácil trocar as palavras, difícil é interpretar os silêncios! - Fernandinho bem dizia.

E tudo tornou-se cobrança. Uma desatenção era motivo de rancor. O eterno pisar em ovos. Se ele falasse, perderia-a? Mas, por não falar, ele se perderia e, por ele se perder, ele a perderia, também.

Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.
Tudo, tudo por não estarem mais distraídos. - Clarice bem dizia.

E o fim, já previsto. E a mágoa, já esperada.
E agora?

Tuesday, June 1, 2010

Ele acha graça, depois de tantos anos ainda pensa nela quando ouve aquela música.
Não era uma lembrança de dor ou de saudade, era só um calor gostoso. Nos primeiros versos ele instintivamente fechava os olhos e via a cena de cinema que foi o primeiro beijo deles, cantava a música com um carinho desmedido. assim, depois de tantos anos.
Também pudera, ela fora seu primeiro amor.
Eu te amava um amor que não era de beijo na boca ou de sexo. Eu te amava um amor que não era de mãos dadas pela areia fofa da praia ou de dormir agarrado. Eu te amava um amor que não era de estar sempre presente ou de querer fazer feliz a todo instante. Eu te amava um amor que não era de gargalhar alto ou de manifestar publicamente afeto. Eu te amava um amor que não era sem limites ou que se limitava a ser feliz o quanto fosse. Eu te amava um amor que não era de fazer loucuras ou de sentir loucos desejos em plena madrugada. Eu te amava um amor que não perfazia um ideal de romântico, um amor de não dar presentes a todo instante, e de não querer recebê-los. Eu te amava um amor que não era de gritar para o mundo que eu te amava. Eu te amava um amor possível, que como todo amor possível, um dia acaba.

Sunday, May 23, 2010

Você me questionou,
Eu desconversei,
Você pressionou,
Eu tentei deixar pra lá,
Você disse que deixar pra lá não é o seu forte,
Eu provei que coisas passadas não precisariam ser remexidas,
Você mostrou ser capaz de revirar o apartamento todo para sabê-lo,
Eu disse que o preço era mais alto que você pensava,
Você bradou estar disposta a apagar,
Eu finalmente concordei,
Você fez que sim com a cabeça, esperando minhas palavras.
- Eu nunca me apaixonei por você.
Você deu um passo para trás.
- Você sempre amou sua ex!
Seus olhos lacrimejaram,
Eu tentei tocá-la,
Você me chamou de insensível, esquivou-se,
Eu continuei calado, fitando você,
Você começou a gritar incongruências,
Eu respirei fundo,
Você colocou o dedo no meu rosto,
Eu, impassível, prestei atenção,
Você falou tudo o que devia e o que não devia,
Eu esperei que terminasse,
Você ficou em silêncio, soluçando,
Eu aguardei mais um pouco,
Você olhou para baixo,
Eu abracei você.

- A verdade às vezes dói demais. Dói demais. Mas não posso oferecer-lhe algo além dela se você não se contenta com o meu silêncio.

Enfim, você agradeceu, com um sorriso melancólico, me beijou e saiu.
Enfim, eu entendi que não fora uma luta inútil, você precisava da verdade para seguir.

Eu lhe desejei boa sorte nos meus pensamentos e voltei para o banho.
Você me desejou boa sorte em seus pensamentos e voltou para a vida.

Friday, May 14, 2010

A capacidade de esquecer é o que existe de mais precioso sobre a face da terra, sob as nossas faces. Amar é indubitavelmente melhor ,mas o esquecimento que nos faz ter vontade de abrir os olhos para vê-la. A paixão empresta um sentido quase mítico aos dias, mas é esquecer da tristeza perante a morte dela que nos torna aptos para nos encantarmos novamente dali a pouco.

Já esqueci amores inesquecíveis e sobrevivi a paixões que, tinha convicção, me aniquilariam se terminassem. Às vezes cruzo na rua com fantasmas que já foram muito vivos na minha história e não deixo de sentir uma certa melancolia por perceber que aquele rosto um dia pleno de significado se tornou tão relevante quanto um outdoor de pasta de dente. Algumas pessoas são apagadas da memória como filmes desimportantes. Sem maldade ou intenção; apenas vao sumindo até desaparecer. Mas é mesmo impossível nos lembrar de todos os que passaram por nós: gente demais, espaço de menos. Da mesma forma que minha história está repleta de coadjuvantes e figurantes que, irrefletidamente, se auto-proclamavam protagonistas, eu devo ser a personagem cômica da história de alguém. Ninguém se esquiva da experiência constrangedora de bancar o bobo da corte no reino de outro.

Mas esse oco de significado não vem sem um certo pesar. É ruim notar que já não dizemos praticamente nada para quem importou tanto. Na verdade é dolorido ser esquecido: não é fácil encarar que não somos insubstituíveis e que nossa saída displicente abre uma possibilidade de entrada tão desejada por outros. Mas só nos desenroscamos e seguimos nosso rumo natural, em frente, quando eliminamos alguns seres que, caso contrário, nos prenderiam.

"Há pessoas que ficam doendo com a lembrança de outra pessoa, entra ano, sai ano, virando e revirando o caleidoscópio, olhando como caem e de dispõe as cores e os cristais do sofrimento" (Paulo Mendes Campos).

O passado deve ser mantido no lugar dele e não trazido nas costas feito mochila de viajante, lotado com os erros cometidos e alegrias jamais revividas. Para ser feliz é necessário pouca coisa além se livrar do excesso de carga e esquecer as coisas certas. É útil também jamais perder de vista um detalhe, afixá-lo no espelho do banheiro, repetir como um mantra: absolutamente nada é pra sempre, nem sentimentos que parecem ser. Nunca mais haverá amor como aquele? Ótimo, porque o novo é tão imenso que seria um desperdício se algo se repetisse.

Todo mundo passa. E é bom que seja assim.

Friday, April 30, 2010

A espera foi bem vivida. Quando veio, me acostumei rápido com aqueles passos entre os meus, com as mordidinhas de carinho nos cabelos e nas orelhas, com o som que parecia um sorriso dentro da boca. Desse jeito, arrancava sorrisos meus fácil, fácil. Antes de ser uma chateação, acordar com suas mensagens passou a ser rotina. Antes despercebido, agora a saudade era gostosa. Minhas tardes em casa estavam sendo as melhores possíveis. Aí, sem aviso prévio, o que parecia impossível, aconteceu. O vazio, o nó na garganta e todas aquelas impressões que eu só tinha ouvido falar sumiram. O chão ficou firme, com cor, com vida. Mas espera, ainda existia algo amis. Podia não ser a mesma, mas pedia pela minha atenção. Aguardava ansiosa para me ver de novo, do jeitinho dela. Eu não resisti e fiz tal pedido. Foi aí que eu entendi que nada passa, mas que é preciso continuar sempre.

Tuesday, April 27, 2010

In Constancia

Eis que chega uma hora que não gostamos mais de estar sozinhos.

O efêmero perde a graça. O sorriso arrancado pelo sentimento de liberdade vai se apagando e dando lugar a longos pensamentos solitários.

Saudade de passar o final de semana inteiro em casa vendo filmes e comendo besteiras como se não houvesse amanhã. Saudades de sentir o corpo, mas não apenas corpo e sim o conhecido corpo. Acostumado corpo. A mão de sempre, que faz carinho no cabelo bem do jeito que a gente gosta. Ela parece que sabe como encostar, ela simplesmente te encontra. Saudade do cheiro, das posições costumeiras na cama. Saudade da presença ao voltar pra casa, da preocupação quando se está longe. Do telefone que toca e do jeito sempre igual de atender. Apelidos. Tons de voz. Pernas se acariciando debaixo do edredon. O cheiro no travesseiro, as roupas perdidas pelo chão. Saudade das conversas, dos silêncios e até das brigas bobas que terminam em beijos e pedidos de desculpas. Saudade de saber que tem alguém ali, que existe só pra você. Saudade de acordar dando beijo sem se importar com o gostinho ruim. Saudade de comprar uma escova de dentes nova, só para deixar na casa dela quando você esquecer a sua. Saudade do ciúmes saudável, do cheirinho ao saír do banho. Da vontade de dormir abraçadinho ou um em cada canto por causa do calor. Saudade até de sentir saudades, mas de alguém que logo volta.



Sentir isso tudo dura um dia, uma semana ou apenas um minuto.